Beija-flor de Nilópolis
“Se essa rua fosse minha”
Carnaval 2020

A nossa história é uma estrada percorrida e, certamente, imensurável, pela qual ainda temos tanto a caminhar…

​Desde que o homem se pôs de pé, ereto sobre a terra, ele iniciou a sua extensa jornada migratória em eras imemoriais, quando os glaciares serviam de ponte, unindo os continentes. Sua natureza nômade o fez se lançar ao desconhecido, numa peregrinação, inventar trilhas na mira do horizonte e se espalhar, seguindo adiante, pelo mundo afora.

​Desde as tribos andarilhas até o apogeu da civilização, com a invenção da roda, assim viajou a humanidade. Encurtou distâncias, traçou rotas, desbravou a terra, delimitou fronteiras ao vencer obstáculos. Arriscou-se, de forma aventureira, nas encruzilhadas do tempo e enfrentou os desvios do destino, estando à sorte na vastidão de incertezas, de abismos e labirintos, de caminhos e descaminhos, a percorrer as vias da vida do por vir, nas idas e vindas dessa história, estrada sem fim.

​A Beija-flor de Nilópolis, no decorrer de sua trajetória, ao enveredar por inúmeras viagens a lugares mágicos, em voos lúdicos nos sonhos de carnaval, escreveu o seu caminho, a sua linda história de esplendor e conquistas, de alegrias e lágrimas, deixando, assim, um legado de glórias.

​Hoje, a “Deusa da Passarela” vem passear pela jornada épica da humanidade, ela que todo ano toma para si uma Rua, a Marquês de Sapucaí, como se fosse sua, para encantar e contar uma história, traçando nela o seu plano de voo sambista para mais uma vez nos deslumbrar, “ao ecoar o som de um tambor” e fazer derramar, outra vez, “um festival de prata em plena pista”.

SINOPSE DO ENREDO
“SE ESSA RUA FOSSE MINHA…”.

​Sob o véu da noite que nos envolve agora, céu e chão num turbilhão de estrelas, firma meu samba nessa encruzilhada, o seu ponto de partida, a esquina onde dobram sonhos de tantas vidas, onde os destinos são traçados na mágica Rua, na Rua do Marquês, que também é minha, é sua. Na hora em que a avenida se ilumina, a Lua, despida, torna-se vazia e então, para brincar o carnaval, põe-se a vestir-se de fantasia.

​Laroyê! Peço licença às entidades, bênçãos e passagem aos que nos regem do além e peço que nos iluminem com seu rastro de luz, nos guiem e nos façam brilhar também.

Hoje, meu “Pássaro Encantado” vem beijar o chão que pisa, ele, que é tão bem acostumado, vem contar mais histórias de rumos, rotas, trajetórias, caminhos e estradas por onde a humanidade passou.

Pelas vias riscadas na terra, minha gente por elas atravessou. Ainda sem fronteiras, conheceu reinos de Âmbar, de Prata, de Ouro e de Seda, seguindo os passos dos aventureiros viajantes com que o vasto mundo interligou.

​No balanço das ondas, bravos navegantes nos caminhos do mar aberto, ao sabor do vento, com o saber dos astros que apontam para o oriente, partiram, pois navegar foi preciso rumo ao Cabo das Tormentas, destino impreciso que, por sua vez, acalma o oceano e conduz os viajantes ao Novo Mundo. Mundo por tantas lendas afamado, com tantos sonhos acalentados, de impérios longínquos, de tesouros escondidos, de estradas esculpidas no topo do mundo, de um mágico reino chamado Eldorado.

Eis que nova terra então se revela. No facão que fere a mata verdejante e impunha a bandeira donatária, ao desbravar a trilha dos índios, se faz Estrada Real, da Vila Rica, em chagas abertas no chão de onde brotaram ouro e diamantes, para a Corte de Portugal. E a nobre cidade sagrada, à São Sebastião, cobriu o barro de seus becos e vielas de pedras assentadas, pisadas por pés de moleques.
​Ruas que assim também se fizeram rumos de devoção, estradas de passos peregrinos, “Paços” de milagres, andanças de louvação, vias dolorosas de flagelos e martírios, caminhos de pedidos e promessas, de graças e de perdão, no andar com fé em procissões e romarias, que seguem andores e altares, de Josés e Marias, no fervor das tochas e velas que acendem almas e corações.

​Ruas sem fim que contam histórias. Ruas que conhecemos sem sequer passar por elas. Ruas do mundo afora que são cartões-postais, ou que simplesmente são lembradas por quem nelas moram. Ruas de desejos, de saudades, de lembranças de seus recantos e encantos. Ruas de todo canto, sejam elas as mais belas ou aquelas que nos atraem, simplesmente pelo seu vem e vai. Sejam elas a avenida elegante de Paris ou de Nova York, sei lá, talvez uma mão inversa de Londres ou “El Caminito”, em Buenos Aires, para “un tango bailar”; ou, melhor ainda, aquelas onde a brisa sopra de um “eterno cantor” em suas ondas ao quebrar, que espalham beleza e calor, nas calçadas famosas onde se declara amor à “Princesinha do Mar”.

​Mas, afinal, são estradas fantásticas, lendárias, de se ouvir falar, ou, melhor, são elas talvez frutos que só a imaginação alcança, tão impossíveis de se chegar. Para que isso aconteça, basta querer e sonhar. E por que não deixar se levar nessa viagem que a mente pode criar, seja pela Via Láctea passear, ou a Torre de Babel alçar, e a morada de Deus visitar. Ou, quem sabe, desafiar a mitologia e, no Labirinto do Minotauro, a tão desejada saída encontrar; ou, talvez, num passe de mágica, na estrada de tijolos de ouro, no final do arco-íris, poder chegar.

Enfim, são tantos caminhos a percorrer, tantas estradas que se mostram naturais, virtuais ou do destino, estradas da vida de cada um de nós. Mas eis que chega ao fim essa viagem. É aqui o caminho do sonhar, na Rua das Ruas, a razão desse meu caminhar, onde mora nossa missão de vida, onde o samba escolheu habitar e de onde o meu povo chega de seu próprio caminho vindo do seu lugar. É a Rua de todos no seu momento de por aqui passar. Mas, agora, é a minha hora, a minha vez de lhes mostrar que essa Rua, nesse instante, é só minha e, como o sonho me permite, essa Rua eu vou ladrilhar com pedrinhas de brilhantes para o meu Beija-Flor voar.

Alexandre Louzada e
Cid Carvalho

Carnavalescos

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